sábado, 21 de julho de 2018

Copa Do Mundo 2018 - VI

É A França Campeã?

Nos últimos dias, veio à tona uma discussão sobre a identidade de seleções como a França e Bélgica. Para citar apenas as seleções que levantaram mais comentários. O que aconteceu é que ambas as seleções foram representadas por jogadores que não tem a cor de pele, nem o sobrenome que se espera encontrar em jogadores de uma seleção européia.

Se você for uma daquelas pessoas que não pode ouvir falar em coisas como cor de pele ou ancestralidade, sem começar a gritar racismo, recomendo que não continue com a leitura. Esse texto não é para pessoas que veem o mundo através de lentes tendenciosamente maniqueístas. Por outro lado, se você é uma pessoa que está interessada em saber o que anda ocorrendo no mundo à sua volta, leia o que tenho a dizer sobre a questão!

Continuando... Chamou a atenção o fato de que a maioria dos jogadores das seleções francesa e belga eram em sua maioria negros, ou pelo menos tinham uma aparência (e sobrenome) árabes. Isso levantou a questão que ambas seriam "seleções estrangeiras" (quase que uma versão esportiva da legião estrangeira francesa) e que estariam a serviço de antigas metrópoles colonialistas.
Foto: Reuters. Retirado da matéria (mais abaixo) do Portal Terra Esportes

A presença de jogadores estrangeiros naturalizados ou de colônias, e ex-colônias, é antigo. Não vou levantar um histórico de todas as vezes em que um jogador nascido em um país, representou outro, até porque são muitos casos. Já ocorreram casos onde um jogador que disputou uma Copa do Mundo por uma seleção disputou outra edição da Copa por outra. O exemplo mais conhecido pelos brasileiros foi o do jogador José João Altafini, o Mazzola, que foi campeão em 1958 e quatro anos depois representou a Itália. Para saber mais, vocês podem clicar aqui.


Outro caso, bem conhecido, foi o jogador Eusébio, que nasceu em Moçambique, mas defendeu a seleção portuguesa na Copa de 1966, uma vez que Moçambique era colônia de Portugal. E ele não foi o único jogador de uma colônia a jogar pela metrópole. E muitos outros jogadores defenderam seleções de suas antigas metrópoles. Alguns até foram campeões, como é o caso da seleção francesa de 1998. Por falar nessa seleção, a maioria dos jogadores que pareciam estrangeiros eram na verdade cidadãos franceses, todos eles nascidos e criados na França.

Lembro que na época houve algumas reclamações de pessoas como Jean Marie LePen, que reclamou que essa seleção francesa não representava a França, pois seria de "expatriados" , ou algo assim. E também lembro que deram pouca atenção para essas pessoas e suas reclamações naquela época. Então, o que mudou?

É difícil dizer com clareza o que ocorreu, mas tentarei, com minha opinião, explicar o que aconteceu.

A primeira questão está relacionado com a própria época em que vivemos. Até fins dos anos 1990, existiam jogadores naturalizados defendendo seleções estrangeiras, principalmente europeias, e também jogadores descendentes de imigrantes em suas seleções nacionais. Aliás, esse último caso é o mais comum, principalmente em países americanos. Mas eram poucos os jogadores, nessas duas condições, jogando por seleções europeias. O que aconteceu foi que a Europa se transformou em um continente que recebe muitos imigrantes. O resultado é que os filhos desses imigrantes iriam acabar se destacando, mais cedo ou mais tarde, sobretudo no esporte, que é um meio mais fácil para pessoas que normalmente são de baixa renda para ascender socialmente. Talvez ainda não estejamos acostumados a ver seleções europeias com grande número de descendentes de imigrantes. E a questão começa a complicar nesse ponto.

Países como Portugal, Espanha, Inglaterra, Holanda, e até mesmo Itália e Alemanha tem recorrido a jogadores que naturalizados ou descendentes de imigrantes, mas é possível ver que são poucos, não costumam passar de 25% ou 33%. Admito que não parei para fazer a contabilidade, para saber se alguma delas passou de 50%, mas com certeza, nenhuma delas chegou aos casos de França e Bélgica. No caso da França, dos 23 selecionados, apenas 5 aparentavam ser franceses descendentes de franceses com mais de duas gerações, ou étnicos, para tentar fazer a diferença entre os jogadores franceses "da gema" e os jogadores descendentes de imigrantes. Por falar nisso, pelo que pesquisei, três dos jogadores franceses eram imigrantes naturalizados. Já o número de jogadores que aparentam ser belgas "étnicos" parece ser de 12, entre os 23 que foram convocados para a seleção Belga, ainda que durante os jogos, fosse possível ver mais jogadores negros e com feições do norte da África (árabes) em campo do que no banco de reservas.
Foto retirada do portal R7. Dan Mullan. Getty Images

A constatação acima levantou a suspeita de que ambas as nações haviam aliciado jogadores africanos, na maioria de ex-colônias francesas e até belgas para compor suas seleções. Entretanto, é importante lembrar que das duas, somente a França usou jogadores naturalizados. Mas a suspeita tem até certo ponto alguns fundamentos. Durante anos, os clubes de futebol dessas duas nações, e também alguns clubes de outros países europeus, tem procurado aliciar jogadores juvenis para jogar em seus times e se naturalizarem. Lembro de um caso, em meados dos anos 1990, na qual um jovem brasileiro de 14 ou 16 anos, de sobrenome Oliveira, foi levado para a Bélgica. O rapaz jogava bem, ele era conhecido como "Oliverrá" pelos belgas, e foi oferecia a cidadania belga para ele. No final das contas ele sumiu, nunca mais ouvi falar dele, a prática de oferecer a cidadania para jogadores estrangeiros se manteve, sem que isso acarretasse alguma vantagem para a Bélgica, enquanto que muitas seleções europeias com poucos jogadores descentes de imigrantes ganharam a Copa desde então, além do Brasil, é claro. Mas nessa Copa do Mundo, as seleções belga e francesa ganharam protagonismo, um protagonismo que a França não tinha tido desde 1998 e a Bélgica nunca teve, a não ser talvez em 1986, para dar uma ideia de como o selecionado belga sempre foi ruim.

É claro que se os jogadores que defenderam a França e Bélgica são em sua esmagadora maioria nascidos nesses países, então não dá para acusar esses países de terem aliciados esportistas estrangeiros. Mas mesmo assim chama a atenção que essas duas seleções que sempre mantiveram atuações apagadas até meados dos anos 1990 tenham tido um salto de qualidade com a ajuda desses jogadores descendentes de estrangeiros.

Outra explicação para essa celeuma em torno da cor, ou origem dos jogadores franceses e belgas está nessa praga neo puritana, que atende pelo nome de politicamente correto. Por conta desse neo puritanismo, não se pode falar abertamente dessa questão, sem que comecem a voar acusações de racismo para tudo quanto é lado. Nesse caso, somasse a má consciência de franceses e belgas, que após explorarem, de forma selvagem, a África, não querem que se toque em assuntos incômodos como o colonialismo, a exploração pós colonial da África, a presença de bairros periféricos violentos, empobrecidos e à margem da sociedade em torno das suas grandes cidades.

Na prática, a vitória francesa na Copa, e o inédito terceiro lugar belga estão sendo usados para jogar uma cortina de fumaça sobre a profunda divisão social, cultural e econômica entre os franceses e belgas "étnicos" e os "novos" franceses e belgas que descendem de imigrantes. Essa cortina de fumaça atende pelo nome de "multiculturalismo". O tal multiculturalismo é uma espécie de palavra de ordem para silenciar as vozes discordantes em relação à vários temas que tem incomodado os países europeus nas últimas duas décadas, sobretudo em relação às explosivas periferias. Talvez não saibam, mas duas semanas antes de acabar a Copa, um jovem imigrante foi morto por um policial na cidade de francesa de Nantes. O resultado foi uma sequencia de distúrbios noturnos, que começaram em Nantes, mas se espalharam por várias cidades francesas. Esses confrontos entre grupos de jovens periféricos, imigrantes ou descendentes de imigrantes, e a polícia foi meio que abafado antes do final da Copa, e por fim jogado para debaixo do tapete e abafado com a vitória "Gala".

A decisão de escrever sobre esse tema, veio após ler a notícia abaixo, publicada pelo Portal Terra.


Embaixador francês nos EUA, Gérard Araud, afirmou que comentários legitima ideologia que "para ser francês precisa ser branco"

Quem lê o título pensa que o apresentador deve ser um malvado racista branco, que quer desmerecer a vitória francesa e é contra o multiculturalismo, não é?

Só que não! O apresentador em questão é o sul africano Trevor Noah. Sendo que ele é... um mulato! Pois é!
Trevor Noah, apresentador sul africano. Foto da Wikipédia

Como podem ler na matéria, cliquem no título, o que Noah queria era tirar uma "casquinha" da vitória francesa, que tinha entre seus jogadores, 15 jogadores de ascendência africana. Sabem como é... Se a derrota é órfã (menos no Brasil, onde a derrota é filha da puta), a vitória tem muitos pais. E Noah quis reivindicar a paternidade da vitória francesa para a África! Mas é lógico que o embaixador francês se ofendeu duplamente. Primeiro porque ele não pretendia dividir a "glória francesa" com ninguém, e segundo porque viu a chance de acusar alguém, ainda que nas entrelinhas, de ser racista. O tiro saiu pela culatra, pois fica difícil acusar um negro, ou mulato, de ser racista pela cartilha politicamente correta.

Enfim, a França venceu, com jogadores franceses, a Bélgica ficou em terceiro, com jogadores nascidos e criados na Bélgica, mas ficou no ar essa sensação de que ambas as seleções se valeram de talentos africanos, reproduzindo no campo de futebol a centenária exploração das ex colônias na África. E não adianta acusar de racismo aqueles que acham estranho uma seleção européia cheia de jogadores negros ou árabes.

E antes que eu me esqueça. Para que não fiquem dúvidas sobre o título do texto. Sim! A França foi campeã.

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