sábado, 31 de maio de 2014

Dos Campos Elíseos Ao Brooklyn

Escrevi esse texto cerca de 10 anos atrás para uma disciplina da ECA-USP. Estou avisando que o texto é antigo, porque alguns dos professores da FAU-USP citados abaixo já podem estar aposentados. Mas isso não deve ser um empecilho, mesmo tendo sido originalmente escrito uma década atrás, o texto é de interesse permanente, e sei que muitos irão gostar.

Dos Campos Elíseos ao Brooklyn

O Theatro Municipal, o antigo Parque Trianon, o Parque do Anhangabaú, o jardim do Museu do Ipiranga, o casarão de Dona Veridiana Prado, em Higienópolis, entre outras. São várias as construções e intervenções urbanas que revelam a influência estética francesa em São Paulo. O nome de um dos primeiros bairros residenciais das classes ricas de São Paulo, o Campos Elíseos, foi inspirado no Champs Elysées. Uma semelhança que levou Mário de Andrade a escrever: “São Paulo! Comoção de minha vida... Galicismo a berrar nos desertos da América”Durante a Primeira República, São Paulo sofreu uma profunda transformação urbana e arquitetônica, que mudou radicalmente a feição da cidade e deixou algumas de suas regiões com uma aparência quase parisiense. Essa reforma urbana foi uma consequência da riqueza advinda do ciclo econômico do café.

Nesta fotografia aparecem os antigos Palacetes Prates ao fundo e o antigo Viaduto do Chá, que foi demolido e substituído pelo atual.

Conforme a cidade crescia e ganhava importância como capital econômica do país, surgia a necessidade de um novo plano urbanístico para a cidade. Este foi implementado pelo poder público, por volta de 1890, e implicava na ordenação do traçado urbano, visando tornar as ruas da cidade mais largas, retas e uniformes. Além disso, desejava-se “re-urbanizar” São Paulo, substituindo as antigas casas térreas e sobrados de taipa da área central por edifícios mais altos, mais imponentes, construídos com materiais mais sólidos e com estilos mais europeu. Edifícios mais cosmopolitas, próximos dos padrões adotados nas mais influentes capitais do mundo, surgiram seguindo o gosto arquitetônico vigente na época: O ecletismo, que combinava diversas influências estéticas e estilos arquitetônicos.

O principal modelo para essa transformação foi Paris, que tinha acabado de passar por uma ampla reforma urbana, a maior de que se tinha notícia até então, sendo empreendida pelo Barão Haussmann (prefeito entre 1852-1871). Uma parte considerável da cidade foi demolida, as antigas ruas de traçado medieval, e estreitas, foram destruídas para dar lugar a grandes avenidas, boulevards e edificações modernas e amplas. Esses edifícios foram construídos de forma padronizada, integrando um único projeto, no qual predominava o estilo Neoclássico. A este  eram incorporadas várias outras influências daquela época e de estilos diversos, como o Normando, o Barroco, o Gótico e o Renascentista.

O Theatro Municipal de São Paulo, o Hotel Esplanada e o Vale do Anhangabaú, vistos a partir de um dos Palacetes Prates.

Uma cidade italiana
Apesar dos exemplos citados acima, diversos estudiosos e professores que lecionam História da Arquitetura discordam que a arquitetura praticada na época, em São Paulo, tivesse forte predomínio francês. Para alguns, a influência do Neoclassicismo Italiano teria sido preponderante. “Usar o termo estilo francês é complicado. Porque apesar do modelo da época ser Paris, em São Paulo há muito mais influências italianas, devido os imigrantes que aqui se instalaram. No Rio de Janeiro a influência francesa foi maior que em São Paulo”, explica a Professora Doutora Mônica Junqueira do Departamento de História da FAU-USP, que completa: "Na segunda metade do século XIX, quando Haussmann fez a reconstrução de Paris, impôs o estilo Neoclássico, inspirado nos estilos Romano e Grego. Na Grécia e na Roma, antigas, não existiam edifícios de 6 andares, ou seja, foi necessário adaptar toda uma linguagem antiga pra essa realidade. É por isso que quando se vê os edifícios antigos da Rua Líbero Badaró, aquilo lembra muito mais Paris. No pacote pronto, dada a dimensão da obra, a França é a que oferece esse modelo do século XIX, que é a adaptação dessa linguagem antiga, para uma realidade nova".

Em primeiro plano, os jardins do Vale do Anhangabaú e, mais adiante, os dois palacetes Prates, demolidos nos anos 1970.


Até os anos 30, o Vale do Anhangabaú formava o mais homogêneo conjunto arquitetônico de inspiração francesa. De um lado ficava o Theatro Municipal (em estilo Neoclássico com alguns detalhes Neobarrocos), do outro, ficavam os prédios da Rua Libero Badaró, que eram quase do mesmo estilo e gabarito (altura), e dentre eles se destacavam os dois Palacetes Prates. Esses palacetes formavam um conjunto contínuo com o Parque do Anhangabaú, cujo projeto foi elaborado por um francês, chamado Joseph Bouvard, em 1911. O melhor exemplo do ecletismo arquitetônico do período eram os palacetes localizados na região da Paulista: “A Avenida Paulista, por exemplo, era soberbamente eclética. Lá existia um edifício eclético em estilo Neoclássico tardio. Perto havia uma casa com estilo árabe, outra com estilo Fiorentino, outra Neogótico, estilo Art Noveau, e por aí vai. Você tinha esse ecletismo em Paris, mas lá havia uma predominância do estilo neoclássico, e Art Deco também”, conta o professor José Pedro Costa do Departamento de História da FAU-USP.

A nova inspiração
Da mesma forma que Paris foi o modelo de arquitetura e urbanismo, em meados do século XIX, a maioria das cidades se inspirariam em Nova Iorque quando a necessidade, ou o desejo, de verticalização apareceu no século XX. É possível ver essa influência em edifícios como o prédio do Banespa, no centro, que visualmente lembra muito o Empire State Building, principalmente se visto a partir do Parque Dom Pedro II, onde aparece inserido em um “mar” de edifícios. Na Avenida Paulista, o Conjunto Nacional também lembra um prédio nova iorquino, seja pelo formato, com um bloco vertical e outro horizontal fechando o quarteirão, seja pela relação com o espaço público-privado, que passou a ser uma característica dos prédios em Manhatann, a partir do mandato do prefeito John Lindsay.

Arranha-céus do centro de São Paulo, vistos a partir do Parque Dom Pedro II, na década de 1950.

Seguindo o exemplo de edifícios como o Rockfeller Center, uma nova legislação sobre o uso do solo e a construção de edifícios foi aprovada. Em troca da permissão para a construção de imensos arranha-céus, as construtoras eram obrigadas a criar áreas de livre circulação nos seus andares inferiores. Praças públicas surgiram no interior dos edifícios, galerias subterrâneas ligando o prédio com as ruas laterais e os metrôs se tornaram uma característica da maioria dos grandes arranha-céus da cidade, como era o caso do World Trade Center. Outras áreas da cidade de São Paulo não se parecem com Nova Iorque, visual ou arquitetonicamente, como é o caso da região da avenida Luís Carlos Berrini, no Brooklyn. “A região da Berrini tem mais a haver com Los Angeles, com a Costa Oeste dos Estados Unidos, ou Houston, no Texas. Em Nova Iorque existem edificações que muitas vezes geram um estranhamento visual, no entanto o espaço ocupado pela arquitetura não se limita à paisagem. A legislação, que ordena a construção de edifícios, impõe normas que têm em vista a qualidade do espaço da cidade. Enquanto que em Los Angeles é o contrário. Comparando (a Berrini com Los Angeles), elas têm em comum apenas a imagem. O que importa é o impacto da perspectiva exterior, instantânea, desses prédios cheios de reflexos. Em Nova Iorque há o tempo, o uso, a memória, que ajudam a construir uma sensação de fato na memória”, opina Antônio Carlos Barossi, Professor do Departamento de Projetos da FAU-USP.

Os prédios na região da Berrini, em São Paulo, dos espigões de vidro ao aço inox da Costa Oeste dos Estados Unidos, ou as torres do Sudeste Asiático, estão todas em regiões fortemente ligadas à empresas, principalmente multinacionais. Nesse caso, esses edifícios estariam ligados a uma arquitetura internacionalizada, impessoal, que alguns arquitetos chamam de cidades Mundiais. Se no final do século XIX e início do século XX já existiam queixas de que todas as cidades estavam começando a se parecer umas às outras, no século XX a variedade no aspecto das cidades ficou menor ainda, sobretudo nos novos projetos coletivos de moradia e grandes edifícios de escritórios. Os mesmos materiais, técnicas de construção e estilos acabaram sendo empregados em regiões muito diferentes do mundo. As características de estilos regionais foram abandonadas pela crescente homogeneização estética, enquanto as expectativas dos consumidores tornam-se cada vez mais determinadas (nacional e mesmo internacionalmente) por produtos industriais padronizados. Isto é exacerbado pela especulação, que estimula uma certa padronização de gosto (ou mau gosto) que lhe é conveniente.

Imagem retirada da wikipedia, mostrando a praça entre os edifícios que compõem o Rockfeller Center.

Um novo ecletismo
Uma crítica interessante diz respeito a alguns fenômenos que estão acontecendo em São Paulo, em particular com os prédios de estilo Neoclássico, que são um fenômeno exclusivamente paulistano e que os empresários gostam, ou que os corretores impõem. Isso não é arquitetura, é imagem, rebatem os críticos. Muitos destes prédios feitos com painéis de alumínio, vidro, aço inox ou pré-fabricados são, do ponto de vista da produção, modernos, mas esses elementos são usados apenas para construir uma imagem. Essa diversidade é uma característica do momento vigente, como foi no final do século XIX, mas que não foi característica de meados do século XX, em que predominou a arquitetura moderna. Um tempo que se caracterizava pelo uso do concreto aparente, pela unidade de conceito, de uso de materiais e técnicas, e no qual a solução estrutural usada era determinante para o resultado arquitetônico.

“Talvez, fazendo uma aproximação dessa arquitetura do final do século XX (e começo do século XXI) com o final do século XIX (e início do século XX), seja o justamente um (tipo de) ecletismo. Uma diversidade de opções. A arquitetura eclética, que era inspirada nos modelos Clássicos, Medievais, Renascentistas, tudo simultaneamente, é uma característica do século XIX, em que tudo era válido (em termos arquitetônicos)”, analisa a professora Mônica Junqueira. “Hoje temos um novo ecletismo, prédios com pele de vidro, high-tec, fachadas neoclássicas (como os edifícios da Faria Lima). Isso tem uma proximidade. Embora de estilos arquitetônicos completamente diferentes, essa condição de busca de novas alternativas, com um leque de possibilidades muito grandes, são característicos desses dois finais de século”.

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