sábado, 10 de maio de 2014

What'd I Say - II

What'd I Say

Todas as músicas tem uma história, mas algumas delas, seja pela importância, ou pelo interesse dos admiradores em contá-las, têm histórias mais ricas em detalhes, como é o caso de “What’d I Say”. Como vocês lerão abaixo, essa canção, escrita por Ray Charles, nasceu de um improviso em uma apresentação. Para que o texto não fique mais longo (do que ficou) irei resumir a história.

Origem
Segundo o relato do próprio Ray Charles, em dezembro de 1958, ele e sua banda de apoio já haviam tocado todo o repertório do cantor em um clube noturno, mas ainda faltavam doze minutos até o fim da apresentação. Ray Charles não costumava apresentar músicas não ensaiadas, mas nessa noite abriu uma exceção. Ele virou-se para a banda e disse que iria improvisar sem saber como terminar a música, portanto todos deviam seguir a melodia e o ritmo com que ele tocava. Para as vocalistas (The Raeletts) pediu que repetissem o que ele cantasse.

Então, o cantor passou a cantar tudo o que passava pela cabeça. Começou a canção como se fosse uma música religiosa (Gospel), mas com um ritmo meio latino (Rumba). Logo, ele combinou o ritmo do Blues com os vocais do Gospel. O sucesso foi instantâneo. Terminada a apresentação, o público aproximou-se do cantor perguntar qual o título da canção, pois queriam comprar o disco. Nas apresentações seguintes, Ray Charles voltou a executar a canção, sempre com grande sucesso. Diante do retornou favorável, Ray Charles gravou a "What'd I Say" tão logo pode.

Uma pequena controvérsia sobre a origem da canção: Segundo algumas fontes, o clube noturno ficava em Milwaukee, mas, outras fontes dizem que o evento deu-se em um clube na cidade de Brownsville, Pensilvânia.


Gravação
O estúdio da Atlantic Records tinha acabado de comprar um gravador com 8 fitas e o engenheiro de som responsável pelo equipamento, Tom Dowd, ainda estava aprendendo a usá-lo. Em fevereiro de 1959, Charles e sua banda gravaram “What’d I Say” no estúdio de pequenas dimensões. Sobre a gravação, Dowd contou que transcorreu de forma corriqueira, sem nenhum fato que indicasse que aquela seria uma música especial.

O trabalho de estúdio não durou muito, apenas dois ensaios antes de gravar, pois a banda já tinha aperfeiçoado o acompanhamento musical durante a turnê. Mas nem por isso faltaram problemas. O primeiro dizia respeito a duração da gravação, que durou quase sete minutos. Na época, as rádios tocavam apenas músicas de pouco mais de dois minutos, logo, era necessário fazer uma versão mais curta. O segundo problema era a letra. Apesar de não ser obscena, ela claramente fazia uma alusão a um encontro amoroso. Como definiu, certa vez, um crítico musical, “What’d I Say” começava na igreja e terminava no quarto. Para não ter problemas judiciais e não provocar a repulsa das rádios e público, a gravadora fez três versões, removeu alguns versos de duplo sentido e lançou um single com duas partes de cerca de três minutos cada. O disco, por fim, foi lançado em julho de 1959.

Apesar de ter uma recepção crítica morna, a gravadora começou a receber telefonemas de protesto. Estações de rádio e lojas de disco se recusavam a tocar a música por considerá-la obscena. Mesmo assim “What’d I Say” fez grande sucesso, chegando a posição numero 6 da parada de sucessos americana, o que rendeu um disco de ouro para Ray Charles.

Algumas rádios (cuja audiência era majoritariamente branca) recusaram-se a tocar a canção por considerar imoral o uso do Gospel (um ritmo religioso, tradicionalmente negro) para fazer menção a um encontro amoroso. Enquanto que outras rádios (cujo público era majoritariamente negro) além de achar imoral a canção, também consideravam um sacrilégio fazer uso do Gospel para fazer sucesso junto ao público branco.

A canção dividiu o público entre aqueles que mudavam a estação de radio, tão logo ela começava, e aqueles que, mesmo sabendo do teor sexual, aumentavam o som do rádio para cantar. Sobre a polêmica, Ray Charles reconheceu que a batida era cativante, mas boa parte do publico foi a traída pelo alusivo verso: “See the woman with the diamond ring” (“Olhe para a garota com anel de diamante”), “She knows how to shake that thing” (“Ela sabe como balançar/agitar aquilo”).

Outras versões
“What’d I Say” foi regravada por diversos artistas de estilos diferentes. Se nos Estados Unidos a música foi recebida inicialmente com ressalvas, na Europa tornou-se um sucesso imediato, e o impacto na cena musical foi mais evidente. A lista de artistas que tocaram a música em seus shows, ou gravaram é enorme: Cliff Richard, Eric Clapton, John Mayal and The Bluesbreakers, The Big Three, Eddie Cochan, Bobby Darin, Nancy Sinatra, Sammy David Jr, etc. Citarei abaixo algumas das versões mais famosas ou representativas.

Etta James:

The Beatles: Paul McCartney ficou impressionado quando ouviu a canção pela primeira vez, ao ponto de se convencer que queria ser realmente músico. George Harrison, contou que ouviu pela primeira vez “What’d I Say” em uma festa, que tocou a canção por 7 horas seguidas. Durante sua permanência em Hamburgo, os Beatles tocavam a música em todas as apresentações, afim de testar a receptividade junto ao publico. John Lennon, impressionou-se com a sonoridade poderosa do piano, e tentou reproduzi-lo com a guitarra. Ele defendia a tese que o uso de riffs de guitarra em diversas músicas de Rock And Roll, se devia a forma como Ray Charles usava o piano.


Jerry Lee Lewis fez uma versão que ficou 8 semanas nas paradas de sucesso, chegando a posição número 30. Por sinal essa é a minha versão favorita:

Elvis Presley, usou a canção em uma cena bem insinuante (explicitamente insinuante) de dança em seu filme "Viva Las Vegas", de 1964, e também lançou um single, com essa canção no lado B:

Roy Orbison:

Johnny Cash, imprimiu seu estilo na versão que gravou ao lado de June Carter, parece que a música é de 1967:

Algumas informações
Ray Charles notou que muitas estações de rádio, que até então nunca tinha tocado suas canções, começaram a exibi-las após diversos artistas brancos gravarem versões de "What'd I Say", e outras canções dele.

Alguns historiadores da música norte americana consideram Ray Charles como o criador do Soul, um subgênero do Rhytm And Blues, a partir da criação de canções como “I Got A Woman”, a primeira a combinar alguns elementos do Gospel e do Blues, e “What’d I Say”, a primeira a ter a fusão perfeita dos dois estilos musicais.

Ainda que a canção seja intitulada “What’d I Say”, Charles sempre insistia que o nome correto da canção seria “What I Say” como, aliás, ele pronuncia.

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