domingo, 13 de abril de 2014

"Beatlelândia", Março De 1963

Havia lido esse artigo em março do ano passado, por conta dos cinquenta anos de gravação do primeiro Long Play do Beatles. Ele foi publicado no site do jornal espanhol El Mundo. Tive que fazer algumas adaptações na hora de traduzir do espanhol para o português. Espero que o resultado tenha ficado bom. O link está abaixo:

http://www.elmundo.es/elmundo/2013/03/19/cultura/1363682628.html

Beatlelândia, março de 1963

Por Julian Ruiz
Em uma sexta-feira como esta, sexta-feira 22 de março, faz exatamente 50 anos, a EMI, através de sua pequena gravadora Parlophone, lançou Please Please Me, o primeiro álbum de um grupo de Liverpool chamado The Beatles. A primeira edição apareceu apenas em mono.

Uma semana depois, a versão estéreo foi lançada. Não chegaram a prensar nem 5.000 cópias. Oito das 14 músicas contidas no álbum levavam a assinatura McCartney-Lennon. Ninguém se atrevia a tanto. Os iniciantes só gravavam versões de composições mais ou menos famosos, mas os Beatles disseram que suas composições eram poderosas.

Inicialmente, 'Sir' George Martin, o produtor e diretor musical, queria chamar o álbum de Off the Beatle Track. Até se atreveu a idéia grotesca para a capa. Nada mais e nada menos do que fotografar os quatro Beatles do lado de fora da Casa dos Insetos do Zoológico de Londres, lugar assíduo por Martin, uma vez que não estava longe de Abbey Road.

Felizmente, a capa foi resolvida com uma foto linda de Angus McBean, tirada do mezanino dos escritórios da EMI em Manchester Square (que não existem mais hoje em dia) e com os Beatles três andares acima, olhando para o chão apoiados no parapeito. Finalmente, se chamou o álbum de “Please Please Me”, porque Martin estava convencido de que este título tinha apelo comercial. O dia da apresentação do álbum, os Beatles estavam em turnê e tocaram no cinema Gaumont em Doncaster. No dia anterior tinha sido um dia infernal, já que gravaram para a BBC três de suas canções para o programa “On the Scene”. E pela primeira vez eles se sentiram como se já tivessem alcançado o sucesso. Mas quando? Como? Em que condições se gravou esse primeiro álbum uma carreira milagrosa.





Os Beatles já haviam lançado dois singles, “Love Me Do” e “Please Please Me”, com seus respectivos lados “B”, mas um long play de vinil, naqueles dias, deveria ter pelo menos 14 canções. Caso contrário, pareceria uma farsa. Pois bem, os Beatles tiveram que gravar 10 faixas em pouco mais de um dia. Foi na desagradável, fria e chuvosa segunda-feira, 11 de fevereiro de 1963. Não, não era habitual que os artistas tivessem que gravar em um só dia todo um long play, mas o ranheta “Sir” George Martin acreditou que poderiam fazê-lo para economizar alguns xelins. O produtor disse que a EMI tinha pago nada menos que 400 Libras Esterlinas pelo aluguel de 16 horas do Estúdio 2 de Abbey Road. A miséria sempre perseguiu Martin, que como diretor artístico do pequeníssimo selo Parlophone geria os orçamentos de seus artistas. Anos mais tarde, reconheceu que foi mesquinho e desprezível com os Beatles, tendo como tinha 55.000 libras de orçamento anual.



Os Beatles cobraram para o trabalho naquele dia 7 Libras e 10 xelins cada. O salário mínimo imposto pelo sindicato dos músicos. Outra miséria, já era mais do que notável que um grupo de músicos podudesse gravar 10 faixas válidas em apenas duas sessões. A primeira das 10h00 às 13h00. A segunda, das 14h30 às 17h00, que na prática terminou às 18h00 . Como o resultado não foi o suficiente, Martin exigiu que se fizesse uma terceira sessão das 19h30 até 22h45.

Os Beatles acabaram exaustos, histéricos, mas felizes porque tinham gravado 14 canções. Entre aquelas que não foram usadas no álbum, estava uma versão de “Besame Mucho”, que Paul cantava desde que se apaixonou por essa música e já havia sido exibida na “demo” para a gravadora Decca. A Decca rejeitou o talento Beatles. A piada corrente é que os Beatles viajaram em uma pequena van sem aquecimento. No domingo à noite haviam tocaram em Sunderland e parece que eles tinham de dormir no veículo. Quando chegaram às 09:30 no estúdio 2 da Abbey Road Studio, Paul Mc Cartney estava com muito frio e resfriado. O estado de John Lennon era ainda pior, com febre e congestão.

O pior foi que os Beatles deixaram para o final das sessões, justamente a música mais difícil de cantar, quando eles tinham suas gargantes destruídas. A gravação difícil era uma versão de “Twist And Shout”, uma canção que Phil Spector tinha produzido para os Top Notes dois anos antes. Os Beatles tomaram como referência a versão que os Isley Brothers tinham feito pouco depois do original.

Um John Lennon em estado febril, “cheio de pastilhas” para a garganta, chá, leite e algo mais forte, cantou duas vezes “Twist And Shout” direto. Paul sempre dizia que ele não sabia de onde John obtido forças para cantar. Tentou-se uma terceira tomada de gravação, mas John não conseguia mais. Era quase 23:00 h, e haviam cantado durante todo o dia. A versão no long play foi a primeira tomada. Ouve-se um John com uma voz aguda e rouca de roqueiro negro, talvez por seu estado febril.

Todas as músicas foram gravadas através de uma mesa de apenas quatro canais, projetada pelos mesmos engenheiros da EMI. Mas a fita, uma Série 3 de um British Tape Recorder, só admitia a gravação de dois canais. A Abbey Road usava essas fitas de duas faixas desde que foram testados durante a Segunda Guerra Mundial.

Parece que os Beatles nem sequer dormiram em Londres. Era muito caro e preferiram jantar e voltar para a estrada, porque no dia seguinte tinham duas apresentações. Uma na Arena Ballroom, em Sheffield e mais tarde no Salão Astoria, em Oldham, estivesse como estivesse a febre de John Lennon.

É impossível descrever o frescor, a beleza, o mistério divino deste primeiro álbum dos Beatles há 50 anos. Era como se os deuses se juntassem no mesmo dia para dar o primeiro sopro mágico no grupo mais impressionante em toda a história da música.


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