quinta-feira, 24 de abril de 2014

De Gaivotas A Mulheres Frankenstein

No ano passado, mais precisamente em março, escrevi e publiquei o texto abaixo. Resolvi republicá-lo agora em meu blog, mas antes, fiz algumas modificações em relação ao texto original. Então, quem conhecia a primeira versão, pode estranhar a mudança de algumas palavras.

De Gaivotas A Mulheres Frankenstein

Nos últimos dias de fevereiro de 2013, acompanhei no noticiário a ocorrência de um fenômeno que não é recente, mas que ficou mais visível durante o carnaval daquele ano. Estou falando dos corpos deformados de algumas “rainhas”, “madrinhas” e outras “inhas” de escolas de samba. Em especial, chamou minha atenção as fotos de uma dessas “inhas” chamada Gracyanne Barbosa, cuja maior notoriedade é ser a atual companheira do cantor Belo. Observem a foto abaixo.

(foto: Roberto Filho / AgNews)

Nessa foto e em outras (que são fáceis de achar pela internet) é possível observar que há algo muito estranho no corpo dela. As nádegas estão anormalmente grandes e pontudas (como se fossem duas bolas tivessem sido colocadas sob a pele). Suas pernas e canelas finas contrastam com as enormes e musculosas coxas. As costas e braços têm uma definição muscular que mais parece de um sapo, ou um fisiculturista. Cheguei a pensar que as fotos fossem de um travesti. O que leva uma pessoa a deformar seu corpo desta forma? E ainda achar belo, ou pelo menos satisfatório o resultado?

Antes de dar a resposta para estas perguntas, algumas considerações e informações pertinentes. O carnaval sempre foi a "festa da carne", por isso não é recente essa exposição de corpos modelados, com exercícios físicos, ou transformados com próteses de silicone. É difícil dizer quem foi a primeira mulher a transformar o próprio corpo de forma tão “drástica”, mas com certeza a mais famosa de todas foi Ângela Bismarck. Por sinal, ela tornou-se uma celebridade exatamente pelo fato de anunciar que havia se submetido a dezenas de cirurgias plásticas (realizadas pelo então marido) para participar de desfiles e bailes de carnaval.

Com o passar dos anos, começaram a aparecer outras mulheres, que transformavam seus corpos com o intuito de ficarem famosas, e não apenas durante a época do carnaval. Algumas repetiram o exemplo da Ângela Bismarck, fazendo modificações por todo o corpo, outras preferiam fazer musculação para desenvolver, principalmente, as coxas e nádegas. Entre as mulheres “bombadas”, a mais famosa de todas foi Viviane Araújo. Lembro-me de quando ficou famosa, em meados dos anos 90, logo após sua participação no concurso das Panteras. Nesta época, era uma moça normal, sem nada exagerado, mas com um belo corpo feminino. No início dos anos 2000, avistei-a em um shopping de São Paulo, em companhia do esposo, naquela ocasião, o cantor Belo (curioso o gosto deste rapaz por mulheres com aparência de homem). Ela estava peituda (com certeza era silicone), estava com a musculatura (principamente das pernas) bem desenvolvida e definida, e vestia uma roupa tão apertada que era difícil acreditar que ela conseguia se mexer sem desconforto.

Mas ela parecia feliz... Talvez por chamar a atenção de todo mundo, ainda que pelos motivos errados, pois todos olhavam aquela “esquisitice” em que ela havia se transformado. Apesar do bundão e dos peitões (estes parecendo saltar para fora da roupa agarrada) o corpo dela havia ficado "desequilibrado" e pouco feminino. Pode-se afirmar que ela acabou tornando-se a pioneira deste fenômeno atual, que chamo de “mulheres Frankenstein”. Não é a toa que, durante uma reportagem do programa “Fantástico” (17 de fevereiro de 2013), um sujeito descreveu a Viviane Araújo como sendo: a “mistura perfeita entre músculos e samba no pé”.

Por que uma a pessoa modificaria seu corpo com exercícios e silicones, mesmo quando não precisa, pois já tem um corpo belo? Uma possível explicação poderia ser o desejo de ganhar alguns minutos de fama e consequentemente ganhar uns trocados participando de eventos. Essa resposta não me parece muito satisfatória, pois bastaria apenas manter a boa aparência corporal (com uma alimentação saudável e alguns exercícios físicos moderados) para obter essa exposição desejada e os trabalhos com “eventos”, que vem com a fama.

Outra explicação, aliás muito citada, explica esse "fenômeno" como sendo fruto da “ditadura da moda”. É como se essas mulheres fossem vítimas de uma imposição social, econômica, ou outro tipo, e não tivessem condições de escapar. É claro que essas mulheres não são obrigadas a fazer isso com seus corpos, fazem porque querem! Este é o ponto onde quero chegar. Na mesma matéria do “Fantástico”, uma moça (que não faço ideia de quem seja) fez uma declaração mais ou menos assim: “As pessoas ficam esperando a mulher com coxão, com peitão, mulherão... O carnaval pede isso”.

O carnaval não é um ser para pedir ou exigir alguma coisa. O que existe são pessoas que esperam ver mulheres com peitão, coxão, bundão. Existe um culto ao padrão de beleza caracterizado por corpos exagerados. Todos os dias vemos representações desse padrão de beleza a nossa volta em pinturas, histórias em quadrinhos, esculturas, bonecos de plástico, etc. E isso não é um fenomeno recente. Desde que a humanidade começou a produzir imagens artísticas (a partir do neolítico) poucas foram as situações em que produzimos imagens realistas, seja dos seres humanos, seja de outros seres vivos. E qual a razão para isso? E qual a relação com as “mulheres Frankenstein”?

Um neurocientista indiano chamado Vilayanur S. Ramachadran defende em seus trabalhos a tese de que existe um princípio neurológico, nomeado por ele como supernormal stimulus (e que pode ser traduzido livremente como princípio do exagero). A tese do neurocientista pode ser explicado através do seguinte experimento: Percebeu-se que os filhotes de uma espécie de gaivota reconhecem a figura de sua mãe observando uma faixa vermelha no meio de seu bico amarelo. Quando aproximamos um palito amarelo, com uma faixa vermelha, dos filhotes, os mesmos se atiçam. Até aí parece óbvio, pois os filhotes podem estar confundindo o palito com a mãe, achando que serão alimentados. O interessante é quando se aproxima deles um palito com uma faixa vermelha e outro com duas faixas vermelhas, ao mesmo tempo.

Os filhotes ignoram o palito com uma faixa e preferem o palito com duas. Se colocarmos mais palitos com mais faixas vermelhas (três, quatro, cinco...) os filhotes manifestam maior interesse nos palitos que têm mais faixas vermelhas. Quanto mais faixas, mais excitados eles ficam. Ramachadran defende que nós, seres humanos, também possuímos um instinto biológico que leva a nossa mente a preferir uma representação exagerada do corpo humano.

Chegamos onde eu queria. Vamos voltar à frase dita por aquela moça: “as pessoas ficam esperando a mulher com coxão, com peitão, mulherão”. O que ocorre é que essas mulheres percebem que existe um culto a algumas características físicas (grandes e firmes glúteos, seios igualmente grandes e firmes, um corpo com tônus muscular) e elas querem ter corpos assim. Mas não basta ser apenas firme e grande. Por causa do princípio do exagero, os seios e as nádegas têm que ser enormes, tão grandes que chamem a atenção. Pouco importando se o corpo acabe ficando esteticamente estranho, e até feio. As coxas têm que ser grossas, tão grandes que os joelhos e pernas aparentem ser pequenos diante daquela massa de músculos acima deles.

Ao exagerarem seus corpos (ou parte deles) as "mulheres Frankenstein" buscam a fama. Não apenas isso. Também procuram chamar a a atenção para conseguir trabalhos (e dinheiro), ou se sentirem desejadas, e consequentemente mais belas. Ainda que o resultado final de sua transformação corporal não seja harmônico nem belo.

Um comentário final: Não estou desejando mal a ninguém, mas dependendo do que estejam fazendo com seus corpos, dentro de alguns anos as "mulheres Frankenstein" terão sérios problemas de saúde e dores pelo corpo.

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